Livro recupera a obra da avareense Sophia Jobim

Livro recupera a obra da avareense Sophia Jobim

legenda: A professora Sophia Jobim – Fotomontagem sobre capa do Almanaque/Jornal da USP

Fonte da Foto: Fausto Vianna

Por Claudia Costa

Um livro que reúne cartas, poesias, receitas de culinária, modelos e lições de indumentária – compostos pela professora paulista Sophia Jobim (1904-1968) – foi recuperado graças às pesquisas do professor Fausto Viana, do Departamento de Artes Cênicas da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP. Trata-se do Almanaque da Indumentarista Sophia Jobim: Um Guia de Indumentária, Moda, Reflexões, Imagens e Anotações, lançado no dia 19 passado, que está disponível gratuitamente no Portal de Livros Abertos da USP.

A pesquisa de Viana teve início em 2006. Quando investigava os trajes usados em São Paulo entre 1890 e 1930, o professor obteve referências sobre Sophia Jobim (1904-1968), uma professora de indumentária da antiga Escola Nacional de Belas Artes da Universidade do Brasil, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Em busca de mais informações sobre ela, descobriu, no Museu Histórico Nacional, no Rio, aquarelas pintadas por Sophia. “As aquarelas surgem como alternativa de material pedagógico para suas aulas. Como não encontrava material disponível, ela desenhava”, explica Viana.

Nascida em Avaré (SP), Sophia Jobim viveu num tempo em que a mulher era criada para casar, não trabalhar fora de casa e servir ao marido, lembra Viana. Mas ela não seguiu essa trajetória, como era esperado pelos pais. “Sophia cursou a escola normal e foi dar aulas, depois prestou concurso para ministrar aulas no segundo grau”, conta o professor.

A carreira de Sophia está muito ligada à do marido, o engenheiro carioca Waldemar Magno de Carvalho, com quem se casou em 1927. “O marido era funcionário da Rede Ferroviária Federal e era alocado em diferentes locais. Eles se casaram no interior de Minas Gerais e só em 1932 foram para o Rio de Janeiro”, conta Viana. Naquele mesmo ano, Sophia fundou no Rio o Liceu Imperial, uma escola de artes profissionalizante para moças, que ela dirigiu por 22 anos. O que predominava no liceu era o curso de Corte e Costura.

Depois que a escola se consolidou – abrindo até uma filial na Tijuca -, o marido de Sophia foi promovido. Na função de comprador de locomotivas para a Rede Ferroviária Federal, passou a viajar para a Europa, os Estados Unidos e o Oriente Médio, sempre acompanhado pela esposa. O casal chegava a ficar dois anos fora do Brasil, informa Viana, que ainda está investigando para saber quem ficava responsável pela direção da escola durante a ausência de Sophia.

Em 1947, ela fundou com Bertha Lutz a primeira sede do Clube Soroptimista no Brasil – movimento surgido nos Estados Unidos que defendia melhores condições de vida para as mulheres –, que funcionava na sua casa, no bairro carioca de Santa Tereza.

Para o professor Viana, Sophia Jobim era uma feminista, embora atualmente as mulheres possam não considerar assim. “Nós não podemos medir o passado com a régua do presente. O feminismo de hoje só chegou aonde chegou por causa de mulheres como Sophia Jobim”, diz o professor. “As feministas de hoje certamente teriam críticas muito severas a Sophia, mas ela era uma feminista no seu tempo.”

Em 1954, o casal passou por uma série de problemas. A escola foi fechada e a posição de Carvalho, alto funcionário do governo, foi afetada pelo suicídio do presidente Getúlio Vargas. Nessa época, a casa de Santa Tereza se transformou num museu. “Tudo que ela havia adquirido nas viagens, não só os trajes, mas joias, objetos históricos, leques, bonecas etnográficas, ligados à indumentária, ao adereço, ao vestir, enfim, passam a fazer parte do acervo”, diz Viana.

Em 1961, Sophia resolveu voltar a estudar. Ela se formou no curso de Museologia do Museu Histórico Nacional, o que a ajudou a desenvolver o seu próprio museu. Conta-se que, no final da vida, Sophia teria deixado um testamento em que fazia a doação das peças do seu museu para o Museu Histórico Nacional. Mas, como diz Viana, foi o irmão de Sophia, o jornalista, escritor e senador da República Danton Jobim (1906-1978), que fez a doação.

O ALMANAQUE - Há muitos textos pessoais, em verso e prosa, que integram o Almanaque da Indumentarista Sophia Jobim. Destaque para uma carta inédita endereçada ao marido, datada de 17 de agosto de 1954 – que até agora não tinha sido publicada para não ferir suscetibilidades na família. Nela, Sophia fala sobre sua paixão por colecionar peças de indumentária e elogia o marido. “Confesso que não é fácil escrever versos para o meu querido marido”, escreve Sophia na carta. “Apesar de boníssimo é muito prático e objetivo. Ao contrário de mim ‒ apesar de muito amoroso comigo nasceu pouco romântico. Eu o perdoo porque parece que se sente muito feliz ao meu lado. Às vezes penso que ele ‒ que é bem mais perfeito do que eu ‒ necessita um pouco deste enorme lirismo que canta dentro de mim!… Está sempre muito alegre quando entra em casa, onde acha sempre com o que se distrair. Necessita de tão pouco, junto de mim, que eu me convenço que enfeito a vida para ele.”

O Almanaque ainda resgata o livro de receitas. “Ela adorava comidas brasileiras e gostava de fazer recepções em casa. Vestia os convidados com os trajes dos museus, o que do ponto de vista da conservação têxtil é um crime, mas que era algo comum no colecionismo”, conta o professor, explicando que essa era uma forma de divulgar a coleção em jornais e revistas. “Eram pequenos pecados, mas foi justamente por comprarem e usarem essas coleções que os museus passaram a se interessar e expandir suas coleções”, continua Viana. Além disso, Sophia Jobim tinha vários interesses ligados às suas duas paixões, costura e culinária. Segundo o professor, ela dizia que moda não é só roupa; moda é um conjunto de coisas, que tem a ver com sua roupa, com seu perfume, com a decoração de sua casa, com seu carro, com o que você come. “Sophia seguia essa ideia.”

 

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