Detento de penitenciária de Itaí conquista medalha de prata na OBMEP

Detento de penitenciária de Itaí conquista medalha de prata na OBMEP

legenda: Além de conquistar sua liberdade, Mostafa Shokor sonha em conseguir um bom emprego e fazer faculdade de Administração.

Fonte da Foto: Caio Daniel/assessoria de imprensa SAP

Recomeço. Palavra que no dicionário também pode significar reinício. E é isso que o reeducando Mostafa Shokor, de 34 anos, tenta fazer na penitenciária "Cabo PM Marcelo Pires da Silva", em Itaí, no interior de São Paulo.

Mostafa conquistou a medalha de prata na Olimpíada Brasileira de Matemática (OBMEP) em 2022, resultado que só foi divulgado este ano. Ao g1, ele contou a emoção de ter seu nome nesta conquista.

Mostafa está em regime semiaberto. A previsão de progressão para regime aberto é em abril de 2024.

“Fiquei muito feliz. Fizemos as provas em duas etapas. Fiz a primeira etapa, eles selecionaram, fiz a segunda e, depois, anunciaram que ganhei a medalha. A felicidade será maior ainda quando eu conseguir um bom trabalho e até me inscrever na faculdade por conta da medalha”, conta.

Além de conquistar sua liberdade, Mostafa sonha em conseguir um bom emprego e fazer faculdade de Administração. Na penitenciária, ele trabalha na limpeza e ajuda na parte administrativa.

O diretor de trabalho e educação da penitenciária de Itaí, Gilberto Aparecido, conta que percebeu a mudança de comportamento no trato com os professores e servidores após a implementação de um projeto de ensino na penitenciária.

“A gente percebe no olhar deles que, para alguns, é um resgate. Para outros é uma oportunidade que em algum momento na vida, eles não tiveram. Na medida da condição de cada, todos conseguem acrescentar algo. Temos casos que chegam analfabetos e, após as aulas, conseguem concluir o ensino fundamental”, diz.

Do Líbano para o Brasil

Mostafa é libanês, mas decidiu vir ao Brasil em 2011 para melhorar a qualidade de vida. Chegando na América do Sul, se deparou com uma língua diferente do árabe, falado no Mediterrâneo. Ele ficou na casa de alguns parentes de segundo grau para tentar se estabelecer em território brasileiro.

“Acabei trabalhando no comércio no Brasil. Quando cheguei não sabia falar a língua [portuguesa] e gastei um pouco de tempo para apreender. Fui trabalhando até que um dia vim parar aqui na cadeia", conta Mostafa.

O libanês foi preso por roubo, em 2020. No ambiente recluso da penitenciária, Mostafa reencontrou sua paixão pela matemática, um interesse que carregava desde os dias em sua terra natal.

"Sempre gostei de matemática, desde quando estava no Líbano, mas quando comecei a estudar aqui na penitenciária gostei mais, porque cada país tem um jeito de estudar diferente. Tem algumas coisas que nunca tinha visto e aprendi aqui", afirma.

Quando se interessou pelos estudos da penitenciária, Mostafa comenta que se surpreendeu com a didática dos professores que ajudaram a resolver os problemas na OBMEP e em outros exames.

“O jeito de ensinar é bem diferente. Achava que o professor chegava, escrevia na lousa e você ia copiando. Mas aqui, parece que os estudos são para aplicar na vida e não só como um papagaio”, brinca.

Com a medalha da olimpíada do peito, o libanês se tornou um mentor para outros reclusos, auxiliando-os na preparação para outros exames.

"Daqui a pouco vai ter uma prova de Encceja, os presos estão me perguntando se posso fazer alguns problemas [matemáticos], se posso ensinar, como é que faz essa questão, como calcular alguma coisa, para quando chegar na prova saber resolver. Quando você faz isso, você aprende é quem também", destaca Mostafa.

Educação nas penitenciárias

Cerca de 11.700 estudantes penitenciários foram matriculados para 18ª edição da OBMEP neste ano, sendo que 1.160 passaram para a etapa final. Um resultado que significa que um em cada 10 alunos do sistema prisional do estado de São Paulo foi aprovado para 2ª fase da competição .

Atualmente, o Sistema Prisional do estado de São Paulo tem uma parceria com a Secretária da Educação. Desde a implantação desse sistema, houveram grandes resultados. Everaldo Aparecido, Professor Especialista em Currículo (PEC) de matemática da Diretoria Regional de Ensino de Avaré, conta que há uma didática diferente para lidar com os reeducandos.

“Por serem pessoas que pararam a trajetória educacional há alguns anos, fazemos a seleção dos profissionais de um perfil que irão trabalhar no sistema prisional. O professor que trabalha no sistema prisional tem que preparar uma aula que atenda diversos níveis de ensino, então se torna um trabalho muito importante”, explica.

Os detentos passam por uma avaliação que irá decidir o seu nível educacional. Assim como no sistema de ensino normal, na penitenciária o ensino fundamental é dividido do 6º ao 9º ano. Já no ensino médio os três anos dividem a mesma sala.

“Lá é uma sala normal como se fosse uma sala de jovens e adultos aqui fora, então não tem diferença. A Olimpíada Brasileira de Matemática de Escolas Públicas e tudo o que é público tem a possibilidade de fazer essa avaliação”, destaca Aparecido.

A educação em qualquer contexto é fundamental e com pessoas em situação de privação de liberdade é ainda mais. Gilberto comenta que a missão institucional dos presídios do estado de São Paulo, além de garantir a conclusão da pena dos detentos, é dar condições para os detentos conseguirem ser reintegrados na sociedade com mais perspectiva.

“A gente ouvindo a fala do Mostafa é gratificante. Mais importante do que realizar o trabalho rotineiramente é ver o resultado na vida das pessoas”, comenta.

Perguntado sobre qual é o seu próximo passo no futuro, Mostafa responde: “Quero dar o fora daqui”, diz.

“Pretendo futuramente melhorar a vida com estudos e trabalhando. O trabalho não precisa ter matemática, mas se tiver, irei trabalhar com mais vontade. Eu não quero colocar a minha cabeça no pensamento de cadeia, sempre quero pensar fora”, comenta o libanês. (Por Vinicius Lara, g1 Itapetininga e Região)

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