Avaré na vida e na poesia de CORA CORALINA

Avaré na vida e na poesia de CORA CORALINA

legenda: Autora viveu na cidade em 1910

Foto Fonte: Gesiel Jr

* Gesiel Júnior

O seu nome de batismo era Ana Lins dos Guimarães Peixoto. Cora Coralina o seu apelido em forma poética. Dona de poderosas palavras, de jeito simples e de uma trajetória admirável, pouca gente sabe, mas essa goiana, ainda jovem, viveu algum tempo em Avaré.

Há quem diga que chamar Cora Coralina de poetisa é restringir o seu talento. Afinal, ela era também contista, cronista de mão cheia e até mesmo jornalista, pois sabia habilmente observar os fatos cotidianos, retratando-os com fidelidade. O reconhecimento para ela, entretanto, não veio fácil ou logo.

Ana nasceu em 20 de agosto de 1889 – há 120 anos - e foi criada às margens do Rio Vermelho, numa das primeiras edificações da antiga Vila Boa de Goiás. Seu pai, Francisco de Paula Lins dos Guimarães Peixoto, era desembargador nomeado por Dom Pedro II.

O dom da escrita a acompanhava desde cedo. Tanto que aos 15 anos de idade, tornou-se Cora, uma maneira de esconder sua verdadeira identidade, pois na sua época “moça direita” não perdia tempo com escritos.

Coralina surgiu depois e o significado não poderia ser mais poético: Cora Coralina quer dizer coração vermelho.

Aos 20, entre poemas, récitas e acirrados debates culturais, a moça apaixona-se pelo advogado Cantídio Tolentino Bretas, desquitado e bem mais velho. Ela deixa a casa dos pais e ambos fogem para o interior paulista.

Moram primeiro em Avaré, onde há registros raros desse fato tão curioso e importante. Não se sabe ainda se o doutor Cantídio teria algum parentesco com a família Bretas, que nos deu o prefeito Romeu e o aviador Raul. Há indícios, não confirmados, de que ele teria sido chefe de polícia na cidade então administrada pelo coronel Edmundo Trench.

Onde Cora Coralina residiu? Na Rua Pernambuco, no lugar que mais tarde funcionou a Padaria Record e hoje é a Abavil Frangos e Frios. Porém, por pouco tempo, pois o casal se transferiu para Jaboticabal, onde nasceram seus seis filhos: Paraguaçu, Enéias, Cantídio, Jacintha, Ísis e Vicência. Lá ela renunciou a vontades e sonhos para prover o sustento da família.

Com efeito, a escritora saiu de cena, impedida de crescer, enquanto a trabalhadora, mãe e esposa assumiu os compromissos da vida. Mas sem nunca parar de escrever e de se empenhar em ajudar, principalmente as mulheres.

Idealista, Cora sugeriu a criação de um partido feminino e redigiu até mesmo um manifesto da agremiação. Depois de viúva, já não havia quem lhe impedisse de se expressar por meio das palavras (o marido a proibira de participar da Semana de Arte Moderna de 1922!).

No Estado de São Paulo ela viveu por 45 anos. Ao chegar à Capital em 1924, teve que ficar durante dias trancada num hotel em frente à Estação da Luz, uma vez que os revolucionários haviam parado a cidade. Em 1930, presenciou a chegada de Getúlio Vargas à esquina da Rua Direita com a Praça do Patriarca. Serviu como enfermeira na Revolução Constitucionalista de 1932.

Torna-se então vendedora de livros e volta ao interior para morar em Penápolis. Ali fabrica e vende lingüiça caseira e banha de porco. Vive ainda alguns anos em Andradina, até que, em 1956, retorna a Goiás.

Aos 50 anos, Cora diz ter passado por uma profunda transformação interior, a qual definiria mais tarde como "a perda do medo". Nesta fase, deixa de atender pelo nome de batismo e assume o pseudônimo que escolhera para si muitos anos atrás.

De volta às origens, inicia uma nova atividade, a de doceira. Além de fazer seus doces, nas horas vagas ou entre panelas e fogão, ela escreve a maioria de seus versos.

Aos 70 anos, Cora aprende a datilografar e publica seu primeiro livro – “Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais”. Lança depois “Meu Livro de Cordel” e, em 1980, recebe uma carta de Carlos Drummond de Andrade, repleta de elogios sobre seu trabalho. Desponta assim na literatura brasileira como uma de suas maiores expressões na poesia moderna.

Em 1982, mesmo tendo estudado somente até o equivalente ao 2º ano do Ensino Fundamental, recebe o título de doutora Honoris Causa pela Universidade Federal de Goiás e o Prêmio Intelectual do Ano, sendo, então, a primeira mulher a ganhar o troféu Juca Pato. No ano seguinte é reconhecida como Símbolo Brasileiro do Ano Internacional da Mulher Trabalhadora pelas Nações Unidas.

Aos 95 anos, em 1985, Cora Coralina morre em Goiânia. A casa onde ela nasceu na Cidade de Goiás, hoje transformada num museu, homenageia a sua história de vida e produção literária.

Redescobrir a passagem dessa grande mulher por Avaré nos impele a pensar que em, seus versos, a cidade, implícita, se fortifica nas melhores tradições.

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* Do livro 'Avaré em memória viva', vol. I,

de Gesiel Júnior, Editora Gril, 2010

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