Áureos tempos do Cine Santa Cruz

Áureos tempos do Cine Santa Cruz

legenda: Imagens do antigo cinema em várias épocas

Fonte da Foto: Gesiel Júnior

* Gesiel Júnior


    Se alguém perguntar, no futuro, qual terá sido o meio de expressão de maior impacto da era moderna, a resposta poderá ser quase unânime: o cinematógrafo. 

Inventado em 1895 pelos irmãos Lumière – primeiro com finalidade científica -, o cinema revelou-se peça fundamental do imaginário coletivo do século XX, seja como fonte de entretenimento ou de divulgação cultural de todos os povos do planeta.

Em Avaré, essa emocionante invenção chegou há pouco mais de cem anos. Foi em 1908, ainda na época do cinema mudo. Abriu-se aqui a primeira sala de projeção com o nome de Cine-Theatro e teve como proprietário, José Alves Valente.

Por iniciativa de Joaquim Alves, quinze anos depois, em 1923, aparecia o Cine Santa Cruz, inaugurado com a exibição do filme “Chang”, da Paramount Pictures, distribuidora dos maiores estúdios de cinema de Hollywood.

No lugar, na Rua Maranhão, havia ali uma oficina de fogos destruída num incêndio e, antes, uma capela com um cruzeiro em sua frente. Tudo foi demolido para dar lugar a essa casa de espetáculos e que por essa razão recebeu o nome de Cine Santa Cruz.

Freqüentadíssimo pelo público local por ser uma das poucas atividades de lazer, o cinema de Avaré serviu de palco para acontecimentos artísticos de rara sensibilidade, como o concerto regido pelo maestro Heitor Villa-Lobos, em 1931.


Apogeu

Amplamente reformado no início dos anos 40, o prédio teve como gerente o músico Amílcar Montebugnoli. Nessa época a casa passou a integrar a Empresa Pedutti, grande rede de cinemas no interior.

Na tarde de 8 de março de 1941 o padre Celso Ferreira abençoou as instalações do Cine Santa Cruz em sua fase nova. Discursaram na inauguração o interventor Romeu Bretas e o empresário Emílio Pedutti, dono da rede e político influente em Botucatu. 

Marcando a solenidade foi exibido para a platéia um filme das manobras do Exército brasileiro no Vale do Paraíba “num tecnicolor belíssimo”, como assinala reportagem da época. E à noite, em duas sessões, o faroeste “A Ùltima Confissão”, estrelado por Victor Mac Laglen, Joseph Calleia e Sally Eilers, eletrizou o público.

Nesse período a casa sediava também espetáculos musicais. O tenor Vicente Celestino se apresentou ali, assim como o violinista avareense Raul Laranjeiras, ex-presidente da Ordem dos Músicos do Brasil.

O espaço era também aberto a conferências e uma das marcantes teve como protagonista Plínio Salgado, o polêmico líder integralista. O folclorista Cornélio Pires ali contou histórias, sem falar de seu parente, o avareense Herculano Pires, escritor espírita mais traduzido no mundo.

Outra figura notável do cinema nacional a marcar presença no Cine Santa Cruz foi o comediante Amácio Mazzaroppi, que encarnava o “Jeca Tatu”.

Uma das películas mais vistas na cidade foi o épico "Ben-Hur'', com Charlton Heston, produção norte-americana de 1959, recordista de Oscars recebidos, tendo levado 11 estatuetas. 

Muitos outros filmes atraíram grande público ao Cine Santa Cruz como o romance "Dio como ti amo", com Gigliola Cinquetti e Mark Damon, recorde de bilheteria em 1967.

Por seguidas gerações, os cinéfilos tiveram aonde ir, antes ou depois dos famosos passeios de “footing” que costumavam fazer no Largo São João. A noite terminava romântica nas inesquecíveis sessões do Cine Santa Cruz. Afinal, muita gente namorou naquele espaço e depois se casou.


The End?

Os cinemas no país entraram em decadência, em meados dos anos 80, com o advento do vídeo. Mas já na década de 70 a TV começa a tomar forma e a conquistar a importância atual, o que vem culminar com o início do fechamento de várias salas de cinema.

O Cine Santa Cruz não foi exceção. Melancolicamente teve suas portas fechadas em setembro de 1985. 

Desde então aquele nobre espaço artístico acabou sendo explorado para outras atividades em nada comparáveis com a sétima arte. 

Em 1996, entretanto, o Salão de Artes Plásticas de Avaré foi nele realizado. Depois, a ampla sala manteve-se tristemente silenciosa.
Diz uma definição que cinema é essencialmente luz, graças aos seus projetados feixes luminosos. Quem não gosta de luz? Temos todos fascínio natural pelo que brilha, cintila, resplandece. 

Em doces memórias, o velho Cine Santa Cruz não pode e nem merece continuar fechado, mas sim reaberto para ser transformado num perene palácio das nossas artes. 

Produtor de emoções, esse templo essencialmente artístico precisa ser revitalizado e historicamente preservado, já que as suas paredes ainda retem tantas emoções humanas. Emoções a serem ainda projetadas em outras histórias de ação, paixão, amores, guerras, reviravoltas de destinos, mundos fictícios, tudo desfilando na tela ou no palco para a nossa alegria.


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* Do livro "Avaré em memória viva", vol. I, de Gesiel Júnior, Editora Gril, 2011

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